Agora explico os meios de transporte apresentados na figura abaixo.

Figura 1 – Principais meios de transportes. Fonte: http://www.indiaenvironmentportal.org.in/files/file/changing-course-urban-transport-illustrated-guide.pdf
1. Comboio/trem suburbano: Sistema presente em quase todas as áreas metropolitanas com mais de um milhão de habitantes. É um meio de transporte ferroviário que faz ligações radiais periferia-centro e partilha a infraestrutura com os demais serviços regionais e internacionais ferroviários. É um sistema que consegue fornecer grandes capacidades pois normalmente tem via sempre exclusiva (não cruza com a rede rodoviária), pratica altas velocidades, em média 60km/h, e pode ser composto por até 10 vagões/carruagens. Suas estações são geralmente integradas com os demais meios de transporte, lojas, estacionamento de carros e bicicletas, bom acesso pedonal, táxis.
2. MRT (Mass rapid transit) /HRT (Heavy rail transit) /metro enterrado/aéreo: Este sistema, o modelo subterrâneo principalmente, se tornou o sonho de qualquer político desinformado. É um sistema que comporta grande capacidade e não atrapalha o tráfego automóvel na superfície, que muitos políticos desinformados considera como sagrado. Surgiu em Londres há mais de 150 anos, depois Paris, Nova Iorque e Berlim e hoje em dia está presente em quase todas as metrópoles com 2 milhões de habitantes ou mais. Normalmente apresenta configuração enterrada, soluções aéreas são pouco comuns, exceto nos EUA. Por muito tempo não se investiu em soluções de média capacidade tais como BRT e LRT, e se acreditou que depois da rede de ônibus a solução era o metrô, que é sem dúvida um excelente sistema, porém extremamente caro e só se justifica para corredores de altíssima densidade populacional. Megalópoles como São Paulo, Seul, Tóquio e Cidade do México obviamente precisam de redes extensas de metrô, mas já outras cidades precisam de sistemas média capacidade como BRT e LRT.

Figura 2 – Estação de metrô em São Petersburgo. Fonte: http://www.telegraph.co.uk/travel/journeysbyrail/10466613/Railways-The-worlds-best-metros-and-underground-lines.html?frame=2413798
Agora uma curiosidade para mostrar como a falta de vontade política pode destruir uma cidade: Em 1974 foi fundado o metrô de São Paulo, Brasil e o metrô de Seul, Coreia do Sul. Estas duas cidades são muito semelhantes, as duas fazem parte de uma gigantesca área metropolitana (20 milhões de habitantes), têm elevada densidade populacional e são poderosos centros económicos que tiveram um crescimento semelhante. Hoje em dia o metrô de São Paulo tem 74 km e 5 linhas e o metrô de Seul tem 526 km e 19 linhas. Tirem suas próprias conclusões.
3. LRT (Light rail transit) /VLT (Veículo leve sobre trilhos): O LRT é um sistema de média capacidade presente em quase todas as cidades europeias com mais de 500 mil habitantes. Quase sempre em superfície, tem via separada longitudinalmente do tráfego rodoviário, porém pode ter cruzamentos transversais. É sem dúvida o sistema que mais consegue se integrar com o ambiente urbano pois não gera poluição local, é silencioso e pode passar pelo meio de praças e zonas pedonais.

Figura 3 – Karlsruhe, Alemanha. Fonte: http://www.railforthevalley.com/tag/tram-train/
4. BRT (Bus rapid transit): O BRT, em português Ônibus de trânsito rápido, é um sistema que surgiu em 1974 em Curitiba com o intuito de prover à cidade um serviço de ônibus com características de metrô. Durante as décadas de 80 e 90 teve um crescimento modesto, com algumas soluções interessantes no Canadá e na Austrália por exemplo, até que em 2000 foi lançado em Bogotá, Colômbia o sistema TransMilenio, hoje o BRT com maior capacidade no mundo (o valor 43.000 que aparece no gráfico é referente a Bogotá). É um sistema em forte crescimento, sendo largamente adotado na América Latina e Sudeste Asiático. É de certa forma considerado um “concorrente” ao LRT (apesar de eu não gostar dessa comparação) pois é substancialmente mais barato e consegue fornecer capacidades semelhantes. Porém muitos políticos, decisores e de certa forma a população em geral é ainda muito sética sobre o BRT, achando que é um sistema ruim, que não vai agradar os sempre exigentes utilizadores do automóvel e que vai roubar o espaço sagrado do automóvel (infelizmente os políticos ainda se preocupam em fazer um sistema que agrade os possíveis futuros passageiros que possam vir do automóvel e se esquecem das necessidades dos atuais passageiros, como se uns fossem melhores que outros).
Na minha opinião esse descrédito pelo BRT se deve a 3 fatores:
A) As pessoas preferem trem a ônibus, muitas vezes preferem descer 20 metros dentro da terra para entrar num metrô ao invés de esperar num ponto de ônibus na calçada;
B) Os políticos, quando vão de férias, vão a Paris, Nova Iorque e Londres, e não a Bogotá, Curitiba ou Guangzhou (China), portanto simplesmente não conhecem tal solução;
C) É uma solução criada no terceiro mundo e não no primeiro, logo é provavelmente ruim, mas muitos não sabem que o BRT também existe na Europa com o nome de BHLS – Bus with High Level of Service.

Figura 4 – Nantes, França. Fonte: http://www.transportphoto.net/cmtbrt.aspx?l=en&cmtc=Nantes
5. Pedestres: Uma vez ouvi dizer que em Los Angeles, provavelmente a cidade mais carro-dependente dos EUA, a polícia tem costume de abordar as pessoas que andam a pé. Por ser tão incomum andar a pé naquela cidade, tal comportamento se tornou suspeito. Mas falando do “andar a pé” como meio de transporte posso dizer que é a forma mais sustentável de se mover. Apesar de ser lento, calçadas e passeios e ruas exclusivas para pedestres, largas, com mobiliário urbano organizado, sem lixeiras, sem carros, sem publicidade, sem postes, sem ciclovias, sem entradas e saídas de garagem para atrapalhar, conseguem comportar elevado volume de tráfego de pessoas. Para viagens curtas, até 2km em terreno plano ou até 1km em terreno acidentado, sem dúvida que andar a pé é a melhor opção. Além de ser barato é bom para a saúde.
6. Ciclistas: Eu não vou aqui me alongar falando sobre a bicicleta como meio de transporte pois pretendo dedicar um ou mais textos somente a esse meio de transporte tão belo, simples, funcional, barato, inteligente e amigo do meio ambiente, das pessoas e das cidades. O que posso aqui dizer é que a humanidade está a acordar dessa intoxicação, sem trocadilhos, causada pelo excessivo uso do rodoviarismo como solução universal de transporte e está começando a perceber que a bicicleta pertence ao futuro das cidades. Só quero deixar aqui uma frase do Gonçalo Cadilhe, um escritor-viajante português que provavelmente conhece o mundo inteiro, e sua opinião sobre a bicicleta1:
“Vejo regularmente bicicletas a circular pelas ruas das cidades do planeta. Nos países pobres é um sintoma de subdesenvolvimento, nos países ricos é uma opção de desenvolvimento.”
7. Ônibus/Autocarro: O Ônibus! Sem dúvida o meio de transporte mais injustiçado, rechaçado e desvalorizado. O ônibus sistematicamente é associado, principalmente num país como o Brasil onde ostentar é a regra, à pobreza. Quem anda de ônibus é pobre, falido, um perdedor. Semelhante à bicicleta o ônibus está sendo redescoberto, em muito devido ao crescente interesse pelo BRT, pois é versátil tanto na configuração do veículo, de 20 a 200 lugares, e no combustível, diesel, biodiesel, elétrico, gás natural, quanto no seu serviço. Pode muito bem trafegar em ruas estreitas ou grandes avenidas, túneis e viadutos. Em termos operacionais é barato e consegue atender as necessidades de transporte desde aldeias até metrópoles.
8. Automóvel: Não vou também aqui me alongar sobre o automóvel. Posso vos dizer que é uma solução que sozinha é excelente mas em conjunto é uma tragédia. Custa caro, ocupa muito espaço, consome muitos recursos escassos, produz muitos custos diretos (para o seu dono) e indiretos (para a sociedade) e não consegue, sozinho, fornecer capacidade suficiente necessária para um sistema de transporte sustentável, portanto deve ser pensado como parte de um sistema maior, integrado com os demais meios de transporte.
Tendências e desafios para o transporte urbano do século XXI
Vou enumerara 3 grandes áreas, que estão ligadas entre si, que englobam as principais tendências e desafios para o futuro do transporte urbano de passageiros. São elas: Integração, sustentabilidade e tecnologia.
Integração: Apesar de ser comum na Europa desde há muito tempo, integração ainda está longe de atingir a maturidade no Brasil. A integração pode ser dividida em três áreas:
- Integração entre meios e modos de transporte: Integração espacial, de bilhética e de operação com o objetivo de tornar a viagem e suas trocas entre veículos o mais confortável possível;
- Integração com o uso do solo: Uma tendência que tenta capitalizar os contributos dos transportes no uso do solo e vice-versa. O termo da moda é TOD: Transit Oriented Development;
- Desincentivos ao automóvel: Também conhecida como TDM: Transport Demand Management são medidas diversas, tais como diminuição e regulação do estacionamento, rodízio por placa/matrícula do automóvel, acalmia de tráfego e portagem/pedágio urbano, que visam diminuir o uso do automóvel.
Sustentabilidade/Otimização do automóvel: Depois da “borga rodoviarista” que foi a segunda metade do século XX, atualmente começa a se discutir o impacto das más decisões do passado e sua (in)sustentabilidade. Hoje em dia os transportes são responsáveis por aproximadamente um quinto da emissão dos gases de efeito estufa2, logo há uma grande preocupação nesse sentido. O termo sustentabilidade ganhou diversos significados e hoje em dia já se tornou quase vulgar. Porém acredito que a melhor definição é a mais tradicional: O tripé da sustentabilidade3: pessoas, planeta e lucro. Dentro desta área a otimização do automóvel, seu uso e a sua tecnologia de construção, fazem parte de uma viva discussão. Carros híbridos, elétricos, sistemas de car sharing4 (aluguel à hora) e car pooling (boleia/carona) são as áreas que recebem atualmente grande atenção pelos pesquisadores.
Tecnologia: Com a disseminação de smartphones, GPS, Bluetooth e a internet muito se tem pesquisado em como estas tecnologias podem ajudar o bom funcionamento dos sistemas de transporte. Há atualmente aplicações que por exemplo, testam o uso dos celular/telemóvel para pagar passagem/bilhete ou o Bluetooth para contagens de tráfego. O teletrabalho (trabalhar de casa) e horários alternativos, apesar de essa última não estar diretamente ligada com tecnologia, são também áreas que começam a receber alguma atenção, principalmente com o objetivo de quantificar qual o impacto de tais decisões (trabalhar de casa ou ir para o trabalho/voltar para casa mais cedo/tarde) na redução do tráfego automóvel. Há ainda muita pesquisa sendo feita na área dos veículos sem motorista. Mais avançada em sistemas ferroviários pois o percurso é fixo e mais facilmente controlado, tal solução está agora a ser estudada nos automóveis.
Um termo que apareceu recentemente é o Fifth Mode5 (quinto modo). Um termo que tenta abranger os novos paradigmas do transporte e a necessidade de uma abordagem integrada, sustentável e com recurso ao que a tecnologia tem de melhor para oferecer.
Referências:
1 http://anossaterrinha.blogspot.pt/2010/05/elogio-da-bicicleta.html
2 Rothengatter, W., Hayashi, Y., Schade, W., 2011. Transport moving to climate intelligence: new chances for controlling climate impacts of transport after the economic crisis. Springer, New York.
3 http://en.wikipedia.org/wiki/Triple_bottom_line
4 http://antp.org.br/website/noticias/show.asp?npgCode=4A6D675A-A4D8-475F-9636-482B864785F4
